“Eu Tenho Dois Amores”, “Sempre Que Brilha o Sol”, “Anita”, “Joana”, “Maravilhoso Coração”… E a lista podia continuar por aqui, extensa e com aquela rara capacidade de transformar em música a mera enunciação dos títulos de canções que a memória coletiva registou.
Nascido em Mourão, em 1945, logo ali foi estimulado pela voz das camponesas que voltavam de dias na ceifa. A música encantou mais ainda depois de ver o pequeno Joselito a cantar a “Campanera” no cinema. Ouviu mais vezes o seu jovem ídolo, sentado à porta do cinema, ouvido colado na porta, do que na sala, com o grande ecrã pela frente. Já no Barreiro, onde cresceu, começou a cantar em público com regularidade. A voz destacava-o entre os demais ao seu redor, acabando por ter uma primeira grande oportunidade quando canta na casa de Corina Freire, ao que se segue uma participação no programa de televisão de Cecília Meireles. O passo seguinte seria um contrato discográfico que o ligou à Valentim de Carvalho, para a qual se estreou em 1966 com um EP no qual se destacava “Não Sei”. Um ano depois levou “Sou Tão Feliz” ao Festival da Canção, na primeira de duas passagens pelo concurso que na verdade não geraram resultados de grande destaque (a segunda teve lugar em 1982 com “É Fim do Mundo”).
Para a sua voz começaram entretanto a ser escolhidas versões, muitas delas de origem internacional, e para as quais eram criadas letras em português. É assim que canta, por exemplo, “São Francisco” (nada mais nada menos do que o hino criado por Scott McKenzie sobre a cidade californiana) ou “Tu Só Tu”, em dueto com Simone de Oliveira, uma leitura diferente para o “Something Stupid” de Frank e Nancy Sinatra. Assim se fizeram os primeiros anos de carreira entre finais dos anos 60 e a chegada dos 70, com uma sucessão de discos de 45 rotações mas sem que nenhum se transformasse num êxito maior. Em meados dos 70, perante uma escassez de concertos, cantou em circos e chegou mesmo a atuar dentro de uma jaula com leões. Cantava, como dizia, com um olho no microfone e o outro nos leões ali ao lado… Mas tudo muda quando edita um single que apresenta a “Canção Proibida” no lado A. O sucesso chegou contudo da outra face, transformando “Ninguém, Ninguém” (com uma interpretação notável) num primeiro êxito que fez desse single o seu primeiro disco de ouro. E daí em diante não mais parou, encontrando primeiro sucessor com a “Mulher Sentimental” e, depois, partindo de uma canção de um autor de origem grega que havia sido gravada no lado B de um grupo que passara recentemente pela Eurovisão, surge aquela que acabaria por ser a sua canção de assinatura. Com arranjo com travo disco e com a presença de sintetizadores, “Eu Tenho Dois Amores” catapultou definitivamente Marco Paulo para a primeira linha das atenções.
As opiniões dividiram-se mas o próprio convivia bem com essa ausência de unanimidade. Um look bem demarcado, os gestos com o microfone, ajudaram a vincar uma imagem que cimentou a afirmação de uma identidade. E, depois deste êxito colossal em 1980, seguiram-se sucessos como “Quem Vier por Bem” e “Mais e Mais Amor” (duplo lado A em 1981), “É o Fim do Mundo” e “Anita” (ambos de 1982), “Flor Sem Nome” (1983), “Morena, Morenita” (1984), só então surgindo um primeiro álbum, “Romance”. Mesmo assim, os sucessos em singles continuaram a assinalar os episódios de maior êxito, entre os quais “Só Falei Para Dizer Que Te Amo” (em 1985 uma versão de “I Just Called to Say I Love You” de Stevie Wonder), “Joana” (1988), “Um Amor em Cada Porto” (1990), “Taras e Manias” e “Maravilhoso Coração” (ambos em 1991) ou, um pouco mais adiante, “Nossa Senhora”. Aos discos e aos palcos juntou a televisão (com vários formatos por si apresentados desde os anos 90). A saúde obrigou-o a vários momentos de afastamento da vida pública, assinalando sempre, mal lhe fosse permitido, um regresso tanto aos discos e palcos como também à televisão. Deixou-nos aos 79 anos, após uma longa batalha contra o cancro.
Texto de Nuno Galopim
Ao longo do dia, a RDP Internacional e a Antena 1 homenageiam Marco Paulo na sua emissão.